7°| 21/04/2012, sábado @ Wanee
A manhã de sábado não foi diferente das outras. Uma garoa,
friozinho, e nublado. Ou seja, sem Swannee River pra gente. Já havíamos feito
as duas refeições combinadas com o Fernando e com a Lida, e não estávamos afim
de cozinhar. Na quinta-feira eles foram comer café da manhã num restaurante que
servia só café da manhã ao lado do mercadinho do Wanee. Café de americano.
Resolvemos ir lá e comer um café da manhã dos campeões que serviria como
almoço.
Que ignorância. Bacon, linguiça, ovos, batatas, e toda
aquela gororoba típica que a gente vê nos filmes e chega ser meio difícil de
acreditar. Às 10:30 da manhã. Mas foi lá que comemos e tava bem bom e
nutritivo.
Na volta do “almoço” pras barracas o sol foi aparecendo.
Íamos dar uma pausa rápida e ir pro Mushroom Stage pra curtir o show da “Jaimoe’s
Jassz Band”, que começaria às 12:30. Jaimoe é um dos bateras do Allman, o mais
bronzeado deles.
Nessa passada pelas barracas comecei a trocar uma ideia com
um vizinho de acamps, o Keith. Ele tava num motor-home muito das antigas e era
bem maluco. Devia ter na faixa de 50 anos, usava um chapéu estilo de guarda
florestal, era do Alabama, e tinha um dos sotaques mais carregados que vimos na
viagem. A mulher dele também era uma figurassa. Parecia ser mais velha que ele,
era loira, tava sempre de biquíni florescente e quase nunca falava, só ficava
sorrindo, no melhor estilo de quem foi e não conseguiu voltar.
Bom, o Keith ficava grande parte do tempo jogando aquele
jogo de jogar uma ferradura num pedaço de ferro que fica uns 5 metros da onde
tu estás. Tem um nome pra esse esporte, mas ele falou que no sul dos Estados
Unidos eles chamam de “Redneck Bowling”. Daí me convidou pra jogar. Como eu
ainda tinha um tempinho, resolvi aceitar a brincadeira. Como ele falava meio
rápido, cheio do sotaque, eu não entendia tudo, mas dava muita risada. Joguei
umas 3 vezes e ele me convidou pra um duelo. Aceitei. E ganhei. E ele ficou
reclamando pra mulher dele que eu tinha trapaceado dizendo que não sabia jogar.
Foi muito engraçado. Valeu a experiência. Ganhei uma partida de “Redneck
Bowling” de um baita redneck. Não é todo mundo que consegue essa façanha.
Terminado o jogo, peguei mais uma gelada e fui encontrar
Thais e Gabi no Mushroom. Cheguei lá e logo começou o show do Jaimoe.
Banda muito boa. O vocalista/guitarrista é o Junior Mack.
Que voz, e que feeling. Uma mistura de blues com soul, que se encaixa muito bem
com a proposta jazz/funk/blues da banda. Quem toca piano é Bruce Katz, pianista
que acompanha o Allman Brothers há muito tempo, inclusive, já acompanhava o
Gregg desde a época do “Gregg and Friends”. Além dos dois, a banda conta com um
baixista, trio de metais, e do mestre Jaimoe, que dispensa comentários. Um show
leve e intimista, perfeito para começar o dia.
Jaimoe's Jassz Band |
Dali fomos
pro Peach Stage pra ver o show do “Trigger Hippy”. Na passada de um
palco pro outro, numa banquinha de revistas estava o Zach Deputy. Ele tinha
feito show no Mushroom Stage no dia anterior e tava ali curtindo, tocando uma
viola e cantando. E muito. Ficamos um pouco curtindo a performance dele quando
começamos a ouvir a voz de um anjo vindo do Peach Stage, e pra lá que nós fomos
de imediato.
Zach Deputy |
“Trigger Hippy” é uma banda nova, mas de gente das antigas,
e é considerado um super grupo. A vocalista é a Joan Osbourne, aquela que canta
a música “One of Us”. Na batera é o Steve Gorman, do Black Crowes. Nas
guitarras Will Kimbrough e Jackie Green, que também canta e toca hammond,
aliás, como toca e como canta. E pra completar o baixista Nick Govrik. Só pra
registrar, o primeiro guitarrista da banda foi Jimmy Herring, do Widespranic
Panic, que já tocou no Allman Brothers, e depois o Audley Freed, que tocava com
o Black Crowes.
Aí dá pra ter uma ideia da sonzeira. Mas se fosse por nomes
nossa seleção estaria bem melhor. Os 5 no palco se entendem como se tivessem
tocando há 30 anos. A voz da Joan Orbourne é coisa de louco. É suave, cheia de
feeling, de tesão e de muita presença. As músicas são o que tem de melhor do
rock dos anos 60/70. Jams ocorrem com frequência e são sensacionais, de muito
bom gosto. Excelentes músicos, fazendo música de altíssima qualidade. Baita
show e uma grande descoberta.
Eles ainda não tem disco gravado, mas compramos o “Live At
Wanee” que saiu logo que acabou o show. Fiquei sabendo que o disco oficial sai
ainda este ano. Vale muito a pena ficar atento.
Aqui tem o setlist do show no com o link pra curtir as
músicas.
Trigger Hippy |
O próximo show no Peach era do “Gov’t Mule”, banda do Warren
Haynes, guitarrista/vocalista do Allman. A expectativa era grande. Conversei
com várias pessoas no Wanee que comentavam que a banda favorita era o Allman
Brothers, mas que o show do Gov’t Mule era melhor. Eu considero isso
impossível, mas tava louco pra ver o Mule ao vivo, independente de ser melhor
ou não que o ABB ao vivo.
Ficamos onde estávamos. O tempo começou a fechar. Já
tínhamos nossos “ponchos”, como os americanos chamam de capa de chuva.
Quando o show iniciou a chuva começou a cair. Nada que
interrompesse a genialidade dessa banda. Show muito bom, repertório bem bacana.
Mas cada música que rolava, mais água caia, e pra piorar, ela ia direto pro
palco. O vento que batia era todo em direção ao palco. Era notável a
preocupação da banda com equipamento. Pararam uma vez, deram uma tapada nas
coisas e voltaram. Mas em seguida ficou inviável. Cobriram tudo e saíram de
cena. Ficamos uma hora na tenda “Hittin’ The Note”, de produtos oficiais do
Allman, esperando a chuva passar e o show continuar. Para nossa infelicidade
não aconteceu isso.
O show do Mule acabou de forma precoce, mesmo assim posso
dizer que foi um baita show enquanto durou. Aqui tá o curto set do show
Gov't Mule antes da chuva |
A coisa boa nesse momento baixo astral foi ficar na tenda, e
quando de repente Reggie Pittman puxa um trompete da sacola e começa a tocar
alegrando os refugiados da chuva. E todos gringos cantando junto. Momento muito
do caralho. Reggie Pittman é o trompetista da banda do Jaimoe, e que iria fazer
algumas participações no show do Allman de logo mais.
Reggie Pittman na banca Hittin' The Note |
Como não havia perspectiva de show por algumas horas no
Peach, fomos pro Mushroom. E lá mais uma surpresa. Show de Charles Bradley. Cantor
de soul de uns 65 anos com uma banda de uma gurizada de uns 30 anos. Charles
Bradley é um cara que passou a vida inteira fudido, e fazia alguns shows como
cover de James Brown. No início dos anos 2000 foi descoberto, e em 2011 lançou
o primeiro disco da carreira, como Charles Bradley and his Extraordinaires. Já
conhecia o disco, mas não era um entusiasta, mas o show dele é demais.
Aquele soul bem funkeado, cheio de energia, com um cara que
tá extremamente feliz em estar ali. Ele dança demais (nunca vi o James Brown
pessoalmente, mas acho que é bem próximo), abre espacato (sei lá como se
escreve), joga o microfone no chão e puxa. Pra completar ele usava uma jaqueta
de couro aberta, e ele é baixinho com uma pança Zeca Pagodinho. Simplesmente
sensacional! A banda afinadíssima e cheia de ritmo. Todos presentes no Mushroom
Stage dançando de baixo da chuva. Em dado momento ele desce do palco e abraça
todo mundo, todo mundo mesmo. Achei que ele não ia voltar pro palco. E o
engraçado que ele tem cabelo bem pixaim, a chuva batia e não molhava. No final
ele gritou inúmeras vezes: “I love you”. Foi a primeira vez que acreditei,
porque ele quase chorava falando isso.
Não achei o setlist, mas tem esse vídeo do Wanee.
Charles Bradley & His Extraordinaires |
Ficamos pelo Mushroom esperando o show do Big Sam’s Funky
Nation.
Por incrível que pareça é uma banda de funk, liderada pelo
Big Sam. Mas não é só isso.
A banda é relativamente nova, os caras parecem ter na faixa
de 30 a 35 anos. Não ficam apenas no funk. A banda é formada por batera, baixo,
guitarra e dois vocalista que também tocam trombone e trompete. Ou seja, não
tem muita firula. É um som bem cru.
Eles misturam funk, com o jazz de New Orleans e muito rock
and roll. Algumas vezes puxando um som bem pesado. O Sam e o outro vocal,
Andrew Bahan, ficam dançando, pulando e tirando onda o tempo inteiro, enquanto
baixo/batera/guitarra ficam numa grooveira de levantar defunto.
Além de excelentes músicos, e a música ser muito boa, a
interação com o público é um diferencial. Música após música os caras pedem a
participação do público, e sempre são atendidos. O destaque fica pra “Shake
That Funky Donkey”. Com esse título não precisa ir longe pra imaginar do que se
trata. Também rola uma versão da clássica do Otis Reeding, muito conhecida na
versão do Black Crowes, “Hard To Handle”, que na versão funk ficou fantástica.
E na finaleira rola uma dobradinha Adele/Lady Gaga, que ficou muito engraçada.
Mais um baita show, e mais uma recomendação de banda pra tu conhecer.
Big Sam's Funky Nation |
Big Sam says: "Put your hands up" |
Depois do show voltamos pro acampamento sentar um pouco pra
descansar e dar uma relaxada. Ficamos ouvindo o show do Furthur de longe.
Parecia ter sido muito foda, mas ouvindo o disco do show não foi tanto. Coisas
do Wanee.
Fim do show do Furthur, era hora de ir pro Peach curtir o
show do Allman.
Nos posicionamos mais na lateral, mas relativamente perto. O
grande medo da noite era o estado do Gregg. Ou melhor, a presença dele.
Desta vez o show começou na hora, e lá estava o mestre no
seu Hammond. Antes mesmo de começarem a tocar a felicidade já era grande.
Bom, o show começou com “Jessica”. Que climão. A banda
estava demais. Eles podiam ficar fazendo uma jam nessa música por umas 3 horas
que ninguém ia se importar.
Emendaram “Come
and Go Blues”. Notava-se o Gregg um pouco cansado, mas vale mais um Gregg
cansado que todos outros juntos inteiros.
Seguiu com “I Walk On Gilded Splinters”, cover do Dr. John
que seguidamente o Allman toca nos shows. Dessa vez contaram com a participação
do Luther Dickinson (North Mississippi Allstars e Black Crowes), na terceira
guitarra. Participação de luxo. Os solos ficaram matadores e os duelos entre os
3 ficaram fenomenais.
“The Sky Is Crying” foi a primeira com o Warren nos vocais.
Acho que pelo fato do show do Gov’t Mule ter sido “cortado” ele chegou com mais
gana que o normal. Quando ele começou a cantar parecia que as árvores iam cair
de tamanha força que vinha do cara. E junto com ele trouxe a banda inteira. Os
solos estavam sensacionais, extremamente viscerais .
Derek e Warren em chamas |
A instrumental “Hot’lanta” foi a próxima numa versão primorosa
com uma inserção de “All Along The Watch The Tower”. Reggie Pittman, o
trompetista da banca na hora da chuva, tocou junto essa música.
Antes do show continuar, Gregg deixa o palco. Dessa vez
parecia combinado. No show do dia anterior ele havia abandonado no meio das
músicas. E novamente o Kofi Burbridge assumiu o B3.
Mais uma pro
Warren Haynes cantar, “Rockin’ Horse”. Cada música que era tocada dava
pra sentir mais e mais a inspiração do Derek e do Warren nessa noite. Os caras
tocam demais todas noites, mas assim como tudo na vida tem dias que tu tá mais
inspirado que outros. Numa jam band faz bastante diferença, e neste dia eles
estavam em chamas, e como são os maestros da banda, a banda inteira tava
destruindo. Faço uma relação direta com futebol, quando o camisa 10 do time tá inspirado o time inteiro joga muito. Mesma coisa.
Então subiu ao palco Jimmy Hall, vocalista e gaitista do “Wet
Willie”, grande banda também de Macon, Georgia. Ele é uma figuraça que canta e
toca demais. Já chegou no palco de chapéu e com um cinto tipo do Batman cheio
de harmônicas. O primeiro som que ele
cantou foi “She Caught The Katy”, do Taj Mahal. E seguiu com “Stateboro Blues”,
música do Blind Willie McTell que ficou eternizada na versão ao vivo do Allman.
Simplesmente fantástico.
Participação do Jimmy Hall |
O show continuou com “Into The Mystic” do Van Morrison, que
também é corriqueira no set do Allman e que o Warren canta. Então rolou outra
participação, dessa vez do Junior Mack, vocalista da banda do Jaimoe. Já havia
comentado que o cara cantava muito, e aqui eu enfatizo isso. Tocaram “One Way
Out”. O cara cantando parecia ser fácil cantar, tamanha facilidade dele fazer o
trabalho. Versão primorosa.
Junior Mack em One Way Out |
É estranho tu ver um show do Allman com tantas músicas sem o
Gregg lá, em contrapartida tu vê como é o clima de camaradagem e que
realmente só a música interessa pra eles. Conseguiram transformar um clima que
podia parecer pesado pela falta de um membro da banda, numa celebração a
música, onde pareciam uns guris tocando e se divertindo na garagem de casa com os amigos.
Depois disso Jimmy Hall voltou para tocar harmônica numa
versão matadora de “Mountain Jam”. No meio no solo, assim como rolou em “Hot’lanta”,
teve a inserção “acidental” de “Smokestack Lightnin’” do Hownlin’ Wolf.
Pausa.
Depois de uns minutos voltam pro palco apenas Gregg, Warren
e Derek pra fazer um esquema voz e violão (neste caso guitarras). Então tocam “The Needle and The
Damage Done” do Neil Young. Acho que nunca tinha arrepiado tanto ouvindo
uma música. Quando o Gregg começou a cantar parecia que tinham quebrado os
joelhos de todos presentes no lugar. A música parecia ser da vida dele, e a
interpretação foi simplesmente muito foda.
E para encerrar com chave de ouro “Southbound” com
participação especial de todo mundo que estava lá. Era uma galera no palco. Clima
de festa total, perfeito pra acabar um show como esse.
Aqui tá o set.
Mas a noite não acabava ali. Terminado o show do Allman
fomos em direção ao Mushroom, onde já havia começado o show do North
Mississippi Allstars.
Foi uma pena uma banda tão legal como esta ficar pra depois
do Allman Brothers e tão tarde. É complicado curtir algo depois de um show tão
quanto foi o do ABB, mas os caras detonaram.
Luther Dickinson (que também é o atual guitarrista do Black
Crowes) canta de um jeito muito legal, e toca muita guitarra. O baixista era
substituto, mas ele e o batera fizeram uma cozinha muito porrada que deixava o
Luther viajar como queria. Jams fantásticas e músicas muito legais. Um rock com
muita influência de blues e folk.
O clima no Mushroom tava demais, muita
luz maluca, e o palco montado de um jeito bem diferente. Eles ocupavam um pouco
mais da metade, a outra metade ficava pras guitarras do cara, a bateria fica no
canto, o baixo no fundo e ainda contavam com um “telão” no fundo. Ou seja, os
músicos ficavam bem perto uns dos outros.
O setlist tu confere aqui.
North Mississippi Allstars |
Excelente show pra finalizar o festival. Pra quem não
conhece North Mississippi Allstars, procure conhecer. É muito bom, o último
álbum deles, o “Keys To The Kingdom”, é demais.
Depois disso tudo a única coisa possível era uma saidera no
acampamento e um colchão inflável. A ideia era acordar cedo no outro dia pra
irmos para Macon, conhecer o museu do Allman Brothers e visitar o cemitério da
cidade.
:^)
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